Novas regras opõem ferrovias e governo.

27-04-2011 20:42

 

Três resoluções da Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT) que serão colocadas em audiência pública dia 3 de maio devem acirrar os ânimos entre governo e as empresas ferroviárias. As resoluções buscam criar ambiente mais competitivo nas ferrovias, mas as concessionárias, por meio da Associação Nacional dos Transportadores Ferroviários (ANTF), questionam a sua legalidade. As resoluções tratam do direito do usuário, fixam metas por trechos para as ferrovias e regulamentam a forma como uma concessionária poderá entrar na malha da outra pagando pedágio, operação conhecida no setor como direito de passagem.

Existe até o risco de o tema terminar sendo discutido na Justiça. A audiência pública que vai debater as três resoluções se estenderá até 19 de maio, mas antes, no dia 10, haverá reunião, na sede da ANTT, em Brasília, ocasião em que os interessados poderão discutir o assunto publicamente.

Quando todo o processo de discussão estiver concluído, a área técnica da agência vai preparar relatório a ser apreciado pela sua diretoria, que aprovará as resoluções depois de incorporar as sugestões que considerar cabíveis. Feito isso, as concessionárias terão de se adequar às novas regras. No limite, se uma empresa descumprir as regulamentações, pode perder a concessão.

A discussão tornou-se sensível porque existe interpretação segundo a qual os princípios contidos nessas regulamentações serão válidos não só para os contratos em vigor, mas vão se estender para as novas ferrovias da Valec, empresa pública vinculada ao Ministério dos Transportes que tem a função de construir e explorar a infraestrutura ferroviária no país. A nova malha da Valec poderá funcionar dentro de novo modelo regulatório para o setor, pelo qual a exploração da infraestrutura (a administração e a manutenção da malha) seria separada da operação, a prestação do serviço de transporte ferroviário. Esse modelo é chamado de segregado, em que há uma empresa que gerencia a malha e diferentes operadores que prestam serviços aos usuários.

Na visão da ANTT, esse sistema pode aumentar a eficiência e a competição, além de reduzir custos do serviço de transporte ferroviário. As resoluções vão nesse caminho, segundo a agência. A ANTF discorda. Considera que é melhor manter e aperfeiçoar o sistema integrado, válido para os contratos atuais de concessão ferroviária. Nesse modelo, a empresa administra a malha e faz a operação dos trens.

Rodrigo Vilaça, diretor-executivo da ANTF, considera que as resoluções a serem discutidas em audiência pública, a partir do início de maio, são o extrato da minuta de um decreto com novas regras para exploração ferroviária que o governo apresentou, sem sucesso, no fim de 2010. "A visão da ANTF, com base em opiniões jurídicas, é que as mudanças propostas naquele decreto e que foram, com pequenos ajustes, repetidas nas resoluções [propostas pela ANTT] não poderiam ser feitas, nem mesmo por lei, porque violam os contratos assinados, que são atos jurídicos perfeitos protegidos pela Constituição", disse o consultor Arlindo Eira Filho. Ele participou de trabalho feito pela ANTF que fez diagnóstico do setor e apresentou propostas para melhorar o funcionamento do sistema.

Bernardo Figueiredo, diretor-geral da ANTT, mostrou-se seguro quanto à legalidade das medidas propostas. "Discutimos o tema em todas as instâncias jurídicas do governo federal. Eles [a ANTF] têm o direito de questionar juridicamente as resoluções, mas acho que será tempo perdido." Figueiredo disse que as três resoluções em discussão permitirão à agência regulamentar os contratos em vigor. Ele reconheceu que o decreto daria mais segurança jurídica, uma vez que as resoluções poderiam vir a ser canceladas no futuro por outra diretoria da agência.

Um dos pontos de discordância é o direito de passagem, o pedágio para um concessionário entrar na malha do vizinho. Figueiredo afirma que essa é uma obrigação do contrato de concessão, embora, desde a privatização da Rede Ferroviária Federal (RFFSA), o direito de passagem nunca tenha sido aplicado por falta de regras. Segundo ele, o contrato de concessão estabeleceu cláusulas conflitantes ao definir o direito de passagem como obrigação, mas, ao mesmo tempo, dizer que o concessionário tem exclusividade na operação. Na resolução, a ANTT quer fixar critérios para calcular o valor desse pedágio e como a operação vai funcionar.

"A ideia é permitir à ALL ir ao Rio competir com a MRS e que a MRS possa entrar no Mato Grosso para competir com a ALL", exemplificou Figueiredo. A ANTF tem outra visão sobre o direito de passagem. Defende a aplicação do princípio para que uma concessionária entre na malha da outra e leve a carga até o destino final, como complementação do serviço ferroviário. Figueiredo questiona: "Onde está escrito que o direito de passagem é só para o destino e não para a origem? A concessionária tem o monopólio sobre a linha, não sobre os clientes", afirmou o diretor-geral da ANTT.

Ele falou sobre as outras duas resoluções que entrarão em discussão: a meta de produção por trecho, que busca aumentar a ocupação da malha, e o direito do usuário, que tem o objetivo de garantir que o cliente possa criar serviço ferroviário dedicado a ele caso a concessionária não tenha interesse ou condições de atendê-lo. O cliente que quiser transportar o próprio produto, como o minério de ferro, terá regras para fazê-lo.

Pela regra os produtores de ferro-gusa de Marabá, no Pará, que quisessem levar o produto até o porto de Itaqui, no Maranhão, via Estrada de Ferro de Carajás (EFC) poderiam comprar vagões e locomotivas pagando à Vale pedágio para que a mineradora fizesse o transporte da carga. A ideia é que a ANTT acompanhe a operação ligando-se, via tecnologia remota, aos centros de controle operacionais das ferrovias.

Se a Vale se negasse a fazer o frete para os guseiros, poderia, em última instância, perder a concessão, disse Figueiredo. "Acabou a brincadeira com ferrovia. O concessionário vai ter que olhar a ferrovia pensando em oferecer a melhor logística e o serviço terá que ser neutro em relação ao usuário", afirmou. Ele reconheceu que a agência vai ter que aumentar seu poder de fiscalização e de análise de processos.

Procurada, a Vale disse que, por se tratar de discussão de setor, quem deveria falar é a ANTF. Nos bastidores, comenta-se que a Vale é uma das maiores interessadas em trabalhar contra as resoluções da ANTT. Para a ANTF, quanto mais operadores houver na malha, mais difícil será gerir o sistema. As mudanças, segundo Rodrigo Vilaça, podem levar à quebra de contrato, a desequilíbrios econômico-financeiros e à redução de investimentos. "Estamos buscando o consenso, o diálogo com o governo, pois queremos continuar a investir e temos interesse em construir uma proposta de 30, 40 anos para as ferrovias", disse Vilaça.

Fonte: Valor Econômico - Adaptado pelo Site da Logística.

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