O Porto, hoje, é um corpo estranho dentro dos municípios, diz consultor.

13-10-2017 11:03

Para solucionar estes problemas, a resposta passa por garantir uma maior autonomia administrativa aos complexos portuários e ampliar a participação da iniciativa privada e do poder local em seu desenvolvimento

A grande maioria dos portos brasileiros, inclusive o de Santos, enfrenta dois grandes gargalos. Um está relacionado à infraestrutura – a falta de dragagem – e o outro, à administração – um modelo de gestão marcado por decisões centralizadas em Brasília e falta de agilidade.

Para solucionar estes problemas, a resposta passa por garantir uma maior autonomia administrativa aos complexos portuários e ampliar a participação da iniciativa privada e do poder local em seu desenvolvimento. A análise é do consultor em Logística Portuária e professor da Faculdade de Ciências Administrativas, Comerciais, Contábeis e Econômicas, da Universidade Metropolitana de Santos (Unimes), Rafael Alves Pedrosa, e tem como base a pesquisa que realizou nos últimos anos e que deu origem ao livro Os Portos que Movimentam o Brasil – Da Infraestrutura à Participação na Economia. A obra, organizada por ele e escrita ao lado de pesquisadores da região, será lançada na noite desta segunda-feira (9), na Unimes.

Em entrevista a A Tribuna, ele fala sobre esse trabalho, o atual cenário do setor e por que a solução para esses desafios passa pela união de empresas e da comunidade portuária. Confira os principais trechos a seguir.

Professor, em seu livro Os Portos que Movimentam o Brasil, o sr. analisou a infraestrutura e o papel comercial dos dez principais complexos do País. Quais os maiores desafios enfrentados hoje por esses portos?

Os maiores gargalos que nós temos no sistema portuário brasileiro, hoje, estão ligados à infraestrutura. Não propriamente nos portos, que, em alguns casos, já dispõem de uma infraestrutura equiparada com o que há de melhor no mercado mundial. Exemplo disso é Santos, que conta hoje com grande parte de seus terminais, se não a totalidade, com tecnologia de ponta. Mas o desempenho máximo dessa tecnologia não é atingido por uma questão de infraestrutura, que está relacionada à questão da gestão.

O que especificamente é essa questão de infraestrutura?

Dois aspectos chamam a atenção em pelo menos nove desses portos aí – como uma única exceção eu coloco Itajaí (SC). Um deles é a dragagem, que é um problema portuário nacional. Há a falta de dragagem de manutenção em alguns casos e, em outros, a de aprofundamento. Em Santos, a gente ainda tem um cenário mais complexo, pois fizemos o aprofundamento e, pela falta de manutenção, chegamos a perder a profundidade obtida. Mas isso é um problema nacional. Dispomos muitas vezes de terminais com infraestrutura e capacidade para operar em um nível muito mais alto, mas eles não conseguem receber embarcações que vão atender essa possibilidade. Depois da Lei de Modernização dos Portos, os terminais passaram a receber mais investimentos, contudo os portos em si não acompanharam o nível de investimento, tanto nos acessos para o mar como nos acessos terrestres. E isso criou uma disparidade muito grande e uma insatisfação muito grande no empresariado.

Qual a origem desse problema de infraestrutura? É apenas uma questão de falta de recursos ou o modelo de gestão prejudica?

A dragagem tem um cenário bem peculiar e os problemas relativos a ela estão muito relacionados à burocracia do nosso país. Nós tivemos uma draga holandesa que ficou em Santos por 45 dias aguardando liberação documental para operar. Isso não ocorreu e ela foi para o Rio de Janeiro, prestar um serviço para um terminal privado. Em Santos ela ficou esse período totalmente ociosa. No mundo em que nós vivemos, totalmente digital, a alegação do presidente da Companhia Docas daqui do Porto de Santos, na época, foi que o representante do setor de Meio Ambiente estava em Brasília e não podia assinar um documento. É possível viabilizar uma assinatura hoje em dia, mesmo à distância. Mas enfim, isso é um exemplo de como esse modelo de gestão atravanca o processo. E ainda há uma escassez de recursos, que se iniciou com mudanças na responsabilidade. O órgão específico federal que vai cuidar do setor portuário muda muito. Muda-se a responsabilidade constantemente a ponto de não se saber mais quem é que vai fazer a gestão disso. Nós tivemos a SEP, depois destituída. E a cada mudança o novo representante tem que se inteirar de tudo. E mais um agravante: 90% dos portos brasileiros não estão nas mãos de especialistas no assunto.

O sr. se refere à direção das autoridades portuárias?

Exatamente. São pessoas naturalmente com competências para gestão, mas não propriamente em porto. E porto tem um timing diferenciado. Você perde um metro de profundidade no canal e você deixa de colocar em um navio de 400 a 700 TEU (unidade equivalente a um contêiner de 20 pés), dependendo do tipo de embarcação. Isso gera um impacto na economia da cidade, do terminal, do país absurdo.

E por que não temos, em geral, especialistas à frente dos portos? É a influência política no setor?

Infelizmente, esses dois fatores estão totalmente relacionados. Nós temos pessoas que nunca tinham tido relação com portos até ingressarem nas companhias docas. São pessoas que acabam ascendendo ao cargo por indicações políticas diversas. Se nós tivéssemos uma agência, um órgão, um núcleo do governo preparado somente para cuidar dos portos, com certeza teríamos ganhos absurdos, o que é bem diferente do processo que se vê hoje.

O sr. defende o retorno de um ministério dos portos, como foi a Secretaria Especial de Portos?

Exato, só que não poderia ter sua direção alterada com tanta frequência. De repente, poderíamos ter um ministério ou algo que fosse mais definitivo, uma agência para cuidar desse tipo de circunstância.

Então seria uma agência autônoma e executiva, diferente da Agência Nacional de Transportes Aquaviários (Antaq), que é uma agência autônoma, mas reguladora?

Sim, seria executiva. A Antaq só regula o que é feito. Ela não interfere diretamente em cada processo para dar celeridade a ele. E nós estamos carentes, hoje, de um processo mais ágil. Nós sabemos o que temos de fazer, mas fazemos em um tempo muito aquém do que seria aceitável para manter a competitividade dos portos.

Mas como mudar este cenário? Se o Governo não prevê tais alterações no setor, quem poderia lutar por essas bandeiras? A iniciativa privada?

A união das empresas, da comunidade portuária, pressionando o Governo, seria crucial. Aqui em Santos, isso está começando a acontecer. Estão começando a levantar essa bandeira. Isso porque os terminais fizeram investimentos vultuosos e eles estão impedidos de ter esse retorno muitas vezes por uma questão de infraestrutura que não compete a eles. Eles estão, inclusive, sugerindo fazer serviços de responsabilidade do poder público para não sofrerem mais.

O sr. se refere à proposta da iniciativa privada de assumir a gestão da dragagem?

Exatamente. E isso se estende a outras questões. Se voltarmos um pouco no tempo, a BTP (Brasil Terminal Portuário, instalação especializada na movimentação de contêineres) fez uma obra na frente do seu terminal. Eles pavimentaram um quilômetro e meio (da Avenida Augusto Barata, o Retão da Alemoa, principal acesso rodoviário à empresa e as demais instalações da Margem Direita do complexo) e doaram a obra à Codesp. E queriam fazer mais, pois entendiam que propiciaria a eles uma mobilidade maior. Mas foram impedidos porque a Codesp diz que tem um projeto para fazer este serviço e que é responsabilidade dela.

O projeto do trecho Alemoa-Saboó da Avenida Perimetral, não?

Exato, mas que não anda. Quem perde é o Porto, quem perde é o País. É uma queda de braço que não cabe. A iniciativa privada foi concebida dentro do Porto para aumentar nossa competitividade porque o Governo não conseguiu fazer isso e, ao mesmo tempo, o Governo não deixa que isso tome a proporção que pode tomar. Quando está na mão da iniciativa privada, você tem uma pessoa que colocou dinheiro (nesse projeto) e quer retorno. E ele é o dono hoje, amanhã e depois de amanhã.

E qual sua análise sobre a participação de autoridades locais no desenvolvimento de um porto?

A partir do momento em que tivéssemos todos os órgãos e empresários envolvidos, nós podemos obrigar o governo a conversar com o porto e com a comunidade. Hoje, eu peguei o plano de expansão portuária de Santos e das cidades de Santos e Guarujá.

O sr. fala do masterplan do Porto de Santos e os planos diretores de Santos e Guarujá?

Exato. Eu encontrei 1.288 pontos de conflito. Esses órgãos estão conversando? Claro que não. O Porto de Santos, hoje, é um corpo estranho dentro dos municípios. Não tem relação porto-cidade saudável. Você acaba de voltar de Antuérpia (Bélgica, cujos portos foram visitados pela delegação do Santos Export, seminário realizado pelo Grupo A Tribuna, neste ano). O governo, os municípios conversam com o porto e eles crescem harmonicamente. Quando você olha o porto, você vê um local de visitação. Quando você olha o Porto de Santos, te remete a coisas muito negativas. Você pensa em congestionamento, drogas e até problemas de saúde. Você não pensa em algo positivo. Exceto para o trabalhador que está envolvido com a atividade portuária.

No início da entrevista, ao analisar os principais portos nacionais, o sr. fez uma ressalva ao Porto de Itajaí, que é administrado pela prefeitura. Por quê?

Por que Itajaí é um porto municipal. Itajaí não cresce isoladamente como um corpo estranho. A cidade quer que o porto se desenvolva mas que não a atrapalhe por isso. A cidade decide o que é melhor para ela. Se é melhor o porto crescer, ele vai crescer. Mas isso não vai impactar a cidade. É uma atividade da cidade. Itajaí, sob este aspecto, é o porto brasileiro que mais se aproxima dos modelos de gestão de sucesso na Europa e na América do Norte.

Fonte: A Tribuna / Usuport - Adaptado pelo Site da Logística.

 

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