'Pai' da ferrovia Bioceânica diz ter investidores para tirá-la do papel.

21-09-2015 08:34

O peruano José Joaquín Torrico, 68, garante que é o pai da ferrovia  Bioceânica (também chamada de Transoceânica), incluída no pacote de  concessões divulgado em junho pelo governo. Ele chama a via de  Transcontinental, para evitar comparações com a rodovia Bioceânica. Ao  lado de uma brasileira, Torrico vive no país há 33 anos. Nos últimos 15,  dedicou-se à viabilização da ferrovia e diz que tem investidores para  tirá-la do papel.
 
Leia o depoimento de Torrico:
 
Estive pela primeira vez no Brasil em 1968. Trabalhei na  multinacional dinamarquesa Christiani & Nielsen, como assistente de  arquitetura.
 
Depois de dois anos, voltei ao Peru. Mas fiquei com esse gostinho  do povo brasileiro, da beleza do país. Em 1982, voltei de férias e  fiquei, mas viajo ao Peru constantemente. Devo muito à minha  companheira, Suzana, com quem moro há 33 anos. Tenho 68 anos, vivo no  Brasil há 33. Mas sou 100% peruano.
 
Em 2000, tive a oportunidade de participar do Fórum Brasil-Peru, em  São Paulo. Fui encontrar um amigo, o embaixador Jaime Stiglich, e  participei do encontro, que tinha grandes empresários do Brasil e do  Peru.
 
Os brasileiros falavam da soja e os peruanos falavam que tinham as  maiores reservas de rocha fosfórica puríssima ao lado do porto de  Bayóvar, no deserto de Sechura.
 
Mas eles diziam que o grande problema era a cordilheira dos Andes.  Foi quando lembrei do meu pai. Minha família tinha uma fazenda na região  por onde vai passar a ferrovia. Quando estava de férias, meu pai me  levava ao deserto de Sechura, porque são águas quentinhas. E lembrei que  aquela região tem o ponto mais baixo da cordilheira. Então eu pensei:  por aí há que se fazer uma ferrovia.
 
Eu idealizei o traçado. Comecei a pesquisar e conheci Olacyr de  Moraes, que tinha o projeto da Ferronorte. Era um visionário completo,  mas quando o conheci já estava em um momento financeiro delicado e me  disse que não iria finalizar a Ferronorte. Ele me deu de presente todos  os estudos, eu os aprofundei.
 
Nessa época eu comecei a mandar cartas ao presidente Fernando  Henrique Cardoso, mas ele não me deu muita bola. Do lado peruano,  comecei com esse projeto no final de [Alberto] Fujimori, passei por  [Valentín] Paniagua, [Alejandro] Toledo e Alan García. Do lado  brasileiro, além de FHC, foram os oito anos de Lula e quatro de Dilma.
 
Estou há 15 anos nisso. Quando eu avançava lá, parava aqui. Quando  avançava aqui, parava lá. Mas chegou um momento em que as coisas  coincidiram, em 2007. Meu amigo Jaime Stiglich, então cônsul em São  Paulo, escreveu ao presidente Alan García sobre o projeto.
 
Depois de 20 dias, a maior empreiteira peruana, Graña y Montero,  mandou geólogos percorrerem a rota da ferrovia no Peru e prepararem um  estudo a partir do que eu já havia pesquisado. A construtora garantiu  que a rodovia passava no traçado que eu fiz, com algumas variações. Isso  foi uma vitória que não tem preço. Com essa certeza, falei: aqui nada  me para mais.
 
Nesse mesmo ano, García me recebeu no palácio do governo. Após três  horas de reunião, me disse que daria todo o apoio e iria mandar um  projeto de lei para o Congresso.
 
Voltei ao Brasil com outro trunfo. Um ano depois, em 24 de março de  2008, foi aprovada lei que prevê a construção da Ferrovia  Transcontinental Brasil-Peru.
 
Mas faltava o lado brasileiro. No ano 2000, conheci Bernardo  Figueiredo [ex-presidente da Empresa de Planejamento e Logística]. É um  grande amigo, que me colocou o apelido de "tô pobre". Ele me ferrou: em  Brasília as pessoas me conhecem como "tô pobre". Diziam que eu era  louco, sonhador, que estava perdendo tempo. Hoje já falam "Torrico, o  estadista".
 
Bem, Figueiredo era assessor da ministra Dilma Rousseff [Casa  Civil]. Ele já conhecia o meu projeto, a ideia do traçado, tudo. Em  2008, a Casa Civil mandou o deputado Jaime Martins ao Peru para saber  como estava o projeto lá. Ele conversou com as autoridades, que  confirmaram que estava andando. Dias depois, a ferrovia foi incluída na  lei 11.772 [Plano Nacional de Viação], aprovada pelo Congresso naquele  ano. Foi a consagração total para mim.
 
Mas o governo brasileiro modificou o traçado. Do lado brasileiro,  até Vilhena (RO) é o meu traçado. Daí até o porto do Açu (RJ) é  completamente diferente. A explicação que os brasileiros me deram é que o  porto de Santos está super congestionado, teria de ser outro porto.
 
INVESTIDORES
 
O próximo passo era conseguir os investidores, por isso procurei o  embaixador chinês no Brasil, Li Jinzhang. Nas primeiras oito reuniões,  ele me recebia com tradutora e assessores. Na oitava, ele me disse que  falava espanhol e que havia costurado um círculo de amizade. E me disse:  vou levar seu projeto ao líder Xi Jiping. Ele voltou de viagem à China e  afirmou: "Aprovei seu projeto". Outra alegria!
 
O corredor logístico interessa a chineses, peruanos e brasileiros. Vai mudar toda a logística sul-americana.
 
Eu sou o autor do projeto, o pai da criança. Muitos tentaram  projetos, mas nenhum saiu. O meu saiu, é meu mérito. Como quero chegar  ao final disso? Que isso se torne realidade.
 
Haverá uma licitação internacional, mas no Peru eu tenho a  prioridade na concessão, como autor do projeto. Estou em vias de  constituir um grupo de empresas muito sérias E o embaixador Li me fez  uma recomendação: não concentre todos os ovos na cesta chinesa, por  causa da famosa soberania. Então vou formar um consórcio de europeus,  americanos, chineses, australianos, peruanos e brasileiros. Brasileiros  limpos.
 
Eu já estou pronto, já tenho os investidores. No mundo há muito dinheiro atrás de grandes projetos.


Fonte: Folha de São Paulo / Usuport - Adaptado pelo Site da Logística.


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