Sistema ferroviário brasileiro: Em busca de um novo modelo.
13-01-2013 16:27O programa nacional de privatização de ferrovias - que entrou em vigor há 16 anos - deixou no passado dois problemas graves. Primeiro, o Tesouro Nacional se livrou do prejuízo diário de pelo menos R$ 1 milhão para manter as extensas malhas da Rede Ferroviária Federal (RFFSA), uma estatal perdulária, ineficiente e deficitária.
Em seguida, o país realizou o maior investimento já feito no setor, de R$ 35 bilhões em pouco mais de uma década, uma inusitada rapidez se comparada à média histórica. Paulo Resende, professor da Fundação Dom Cabral (FDC), lembra que 80% da malha da RFSSA não tinham mais condições de uso e mais de 85% das composições (locomotivas e vagões) estavam sucateadas. "O governo privatizou um sistema sem operação para melhorá-lo e se livrar de um problema", afirma.
As 11 concessionárias assumiram, por 40 anos, 28 mil quilômetros, divididos em 12 malhas, e viabilizaram, em pouco tempo, corredores estratégicos de exportações, sobretudo de grandes empresas nacionais. Além da recuperação das malhas, as empresas investiram em treinamento de pessoal, na adoção de tecnologias e na compra e na reforma de locomotivas e vagões.
Desde a concessão das ferrovias para a iniciativa privada- processo iniciado em 1996 -, a movimentação anual de cargas na rede ferroviária mais que dobrou, saltando de 137,2 bilhões de toneladas por quilômetro útil (TKU) para 320 bilhões. Uma expansão média de 5,5% ao ano, que garantiu os avanços nas exportações de soja, minérios e aço, e abriu espaço para a tendência de diversificação de mercadorias levadas pelos contêineres.
Marcos Roberto Buri, professor da Universidade Ibirapuera (SP) e especialista na área, lembra que, se as ferrovias concedidas não estivessem ativas, o país enfrentaria um caos em relação ao transporte de cargas estratégicas, como o minério de ferro.
Distorções - "O setor mudou radicalmente de patamar ao oferecer oportunidades de negócios com menos impacto ambiental e claro retorno para toda a economia brasileira, além de agregar mais tecnologia e segurança ao sistema ferroviário", acrescenta Rodrigo Vilaça, presidente da Associação Nacional de Transportadores Ferroviários (ANTF), entidade representante de oito concessionárias. Ele afirma que os operadores têm interesse nas linhas transversais, que cruzam os novos grandes eixos- como o Norte-Sul e o Leste- Oeste -, mas ainda esperam por correções no marco regulatório, cobradas desde o começo das privatizações.
As distorções, lembra Vilaça, envolvem basicamente a indefinição em torno da competência sobre o espólio deixado pela velha rede federal, as linhas não aproveitadas pelas concessionárias e o aparato burocrático ainda presente na operação diária do sistema. Para completar, persistem inacreditáveis cenas de trens trafegando lentamente e bem próximos de residências, em aglomerados urbanos.
"Reivindicamos as mesmas providências recentemente anunciadas pelo governo para os portos, reduzindo papelada e azeitando a atuação simultânea de 19 agentes públicos no setor", afirma.
Apesar dos ganhos obtido sem produção, em diversidade de cargas, em empregos gerados e em aumento da segurança, o modelo de transferência de ativos e de serviços à iniciativa privada ainda enfrenta o peso do espólio da velha RFFSA e das omissões do seu arranjo legal. Além disso, o governo da presidente Dilma Rousseff não esconde as críticas aos atuais contratos de concessão, que considera monopolistas, por favorecerem poucos operadores e criarem barreiras à integração entre as malhas e os demais meios de transporte.
Renascimento - Na avaliação de Bernardo Figueiredo, presidente da Empresa de Projetos e Logística (EPL), estatal responsável pelo planejamento da infraestrutura de transporte, o modelo de concessão ferroviária trouxe equívocos ao sanar apenas preocupações de ordem fiscal. "O governo queria equilibrar as contas e via a estabilização da moeda como solução para tudo. Não estava preocupado em criar base de sustentação para o país crescer", avalia.
Ele estima que 18 mil dos 28 mil quilômetros concedidos estejam subutilizados, sendo que 95% das cargas passam em menos de 10 mil. As dificuldades, contudo, não impediram um expressivo renascimento da indústria do setor, evidenciado pelas fábricas de equipamentos em Minas Gerais e em São Paulo. "Muitas empresas estavam fechando porque não havia encomendas. Hoje, a realidade é bem diferente, ajudada também pelos projetos de trens urbanos de passageiros. O faturamento do setor mais que dobrou desde 2007", afirma Vicente Abate, presidente da Associação Brasileira das Indústria Ferroviária (Abifer).
Incentivos - Há um mês, um decreto regulamentou estímulo fiscal dado a operadores para comprarem vagões de 16 de setembro a 31 de dezembro do ano passado. A Medida Provisória 582, de 20 de setembro, permitiu contabilizar gastos maiores das empresas com bens de capital, reduzindo o lucro contábil e o Imposto de Renda de 2013. Para completar, o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) reforçou o financiamento de aquisição de vagões, que já soma R$ 1,8 bilhão desde 2010. O Imposto de Importação para vagões de carga foi elevado em setembro.
Vocação econômica - Quando o governo privatizou as 12 malhas ferroviárias, acabou confirmando a vocação econômica de cada uma delas. À época, a mineradora Vale era a mais experiente e a mais eficiente em operação ferroviária nos trechos Vitória-Minas (ES-MG) e Carajás (PA), dominados pelo transporte de minério de ferro. Ao adquirir grande parte do pacote de concessões, suas linhas entraram rapidamente em operação, com destaque para minérios e aço, e retorno financeiro garantido. A operadora ALL, por sua vez, adquiriu fatia da rede que ainda precisava angariar demanda e se especializou no agronegócio. Mas as maiores necessidades desse setor estão nas novas fronteiras de produção, no Centro-Oeste e no Norte, fora da atuação da ALL, no Sul e em São Paulo. Por isso, a conclusão de obras como a Ferrovia Norte-Sul é vital para ampliar e diversificar cargas transportadas.
Fonte: Correio Braziliense / Usuport - Adaptado pelo Site da Logística.
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