Uma safra recorde, mas à deriva.

25-03-2013 19:41

O estrangulamento nas estradas e portos fará com que os exportadores agrícolas brasileiros percam bilhões de dólares neste ano. Sem o incentivo ao investimento privado em transportes, o Brasil não se livra desse gargalo.

O Brasil tem no agronegócio um de seus raros bolsões de excelência - nessa área, ele consegue rivalizar com os Estados Unidos. Para 2013, as expectativas são formidáveis, dada a conjunção favorável de fatores. Pela primeira vez, o Brasil deverá superar os Estados Unidos como o maior exportador de soja do mundo. Essa é a realidade dentro das fazendas. Mas existe um longo caminho a percorrer para que o país possa competir com os EUA quando se trata de produzir riqueza a partir da porteira. O Brasil não dispõe de estradas e portos suficientes para escoar a sua safra recorde, o que causa um prejuízo bilionário e mina a rentabilidade dos produtores. Na costa de Santos, no litoral paulista, oito dezenas de navios fazem filas de dias para atracar. A rodovia de acesso ao porto recebe 4600 caminhões diariamente, num congestionamento que chegou a ultrapassar 30 quilômetros.

O cenário de caos logístico não é surpresa no Brasil. Ano após ano ele se repete nos meses da colheita. Mas, desta vez, foi exacerbado pela supersafra de grãos. Nos dois primeiros meses do ano. 4.5 milhões de toneladas de milho a mais foram despachadas para exportação. Isso exigiu 15400 viagens de caminhões extras. O trajeto do interior mato-grossense até o litoral paulista, que demorava quatro dias, agora leva de dois a seis dias mais. Os atrasos sucessivos levaram o Sunrise Group, uma das maiores empresas comercializadoras de soja da China, a anunciar o cancelamento de uma encomenda de 2 milhões de toneladas. A alegação foi o atraso de dez carregamentos em janeiro e fevereiro. Em contratos negociados no mercado internacional, a soja brasileira tem sido comercializada com um deságio de 3% a 4%, abaixo do valor pago pela soja americana. "É um reflexo do custo Brasil e da imprevisibilidade no transporte da carga", diz Sérgio Mendes, diretor da Associação Nacional dos Exportadores de Cereais (Anec).

A equação para a formação do caos logístico é a seguinte: como não há silos suficientes para armazenar parte da produção, a safra precisa ser escoada tão logo é colhida; existem poucas ferrovias e hidrovias, e o transporte é predominantemente rodoviário: nos portos, a capacidade é inferior ao número de carretas que chegam aos terminais no período de colheita. Para completar, somam-se a burocracia e a incompetência dos administradores públicos. Em Santos, por exemplo, não existe um sistema integral de agendamento para o desembarque de caminhões, como passou a ser feito em Paranaguá, onde as filas foram reduzidas pela metade neste ano. O apagão logístico em terra reflete-se em alto-mar. Mais de uma centena de navios-graneleiros permanece parada na costa brasileira aguardando autorização para atracar. A maior parte deles se concentra no litoral de Santos. O dono da carga precisa arcar com o custo do navio parado à espera da ordem para ingressar no porto, uma conta que sai por 25 000 dólares ao dia. Essa despesa acaba sendo debitada daquilo a ser pago aos produtores. A demora para desembarcar os caminhões também fez subir o valor do frete rodoviário.

Os produtores brasileiros arcam, assim, com uma série de gastos extras em relação aos seus similares americanos. Para os agricultores da região de Sorriso, no coração de Mato Grosso, essa conta deverá ser de 170 milhões de dólares, segundo dados do Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada (Cepea/Esalq - USP). Essa é a diferença que eles pagam a mais para levar a soja da fazenda até o porto, na comparação com a igualmente fértil região produtora de Iowa, nos Estados Unidos. A vantagem competitiva dos americanos está no predomínio do transporte hidroviário até Nova Orleans. Resume Mauro Osaki, pesquisador do Cepea/Esalq: "O Brasil ganhou competitividade. A produção de soja por hectare se aproxima dos melhores índices americanos. Mas esse avanço ocorreu da porteira da fazenda para dentro". Para o produtor de lowa, o frete até o porto equivale a 9% do preço da soja. Para o de Sorriso, o custo representa 30% do valor final.

As filas de caminhões e os navios parados escancaram o estrangulamento da infraestrutura brasileira. "O Brasil corre atrás de um prejuízo histórico por investir menos do que precisa na infraestrutura de transportes desde os anos 80", diz Paulo Resende, coordenador do Núcleo de Infraestrutura e Logística da Fundação Dom Cabral. "A consequência é que a demanda vai se acumulando, e cada rodovia ou termina] entregue encontra uma situação já saturada". Segundo cálculos de Resende, o Brasil gastou 530 bilhões de reais com transporte e armazenagem no ano passado. Se a logística brasileira tivesse uma eficiência similar à americana, esse custo cairia para 350 bilhões de reais - uma economia de 180 bilhões de reais ao ano.

O governo petista, depois de dez anos no poder, parece agora ter acordado para o problema. Após tentar diversas fórmulas para expandir a malha ferroviária e rodoviária, o Planalto agora acena com uma concessão maior aos investidores privados, mas ainda resiste em aceitar a rentabilidade mínima exigida pelos empreiteiros para assumirem os projetos. Outra ação do governo na direção correta foi a apresentação de uma nova lei que incentivará a construção de portos inteiramente privados. Atualmente, os terminais são concedidos à administração privada, mas a propriedade e a administração dos portos ficam a cargo do governo. São permitidos os portos privados apenas para aquelas grandes empresas que possuem carga própria, como a Vale ou a Petrobras. "Há anos, pesquisas indicam que os dois principais problemas são a burocracia governamental e as vias restritas de acesso, que geram as enormes filas", diz Paulo Fleury, presidente do Instituto Ilos, especializado em logística. "Mas as estatais que administram os portos não solucionam os problemas, basicamente porque o governo não sabe executar projetos". Nos terminais privados, houve avanços notáveis em termos de quantidade de contêineres e grãos transportados. Porém, a melhora não foi acompanhada com a mesma velocidade pela administração do porto. Obras necessárias para ampliar as operações atrasaram ou nem saíram do papel. No acesso ao Porto de Santos, por exemplo, ainda não ficaram prontos os viadutos que evitariam que a linha férrea fosse cruzada pelos caminhões. Prometida para 2011, a obra segue inconclusa.

A medida provisória de abertura dos portos tramita no Congresso. Houve resistência de alguns setores, sobretudo dos sindicatos dos portuários. Mas o governo, os congressistas e os empresários costuram um acordo que provavelmente culminará na aprovação da nova legislação. A presidente Dilma Rousseff também abriu o processo de contratação de funcionários para que as aduanas portuárias comecem a funcionar ininterruptamente, como ocorre nos maiores portos do mundo - até recentemente, ela não sabia que aqui o expediente era de apenas oito horas. Que tais iniciativas marquem a retomada dos investimentos em infraestrutura, fazendo prosperar ainda mais o campo e toda a economia brasileira.

O PT que não aprende - Enquanto o PT no governo federal abre espaço para a iniciativa privada tentar resolver os gargalos logísticos do país, como no caso dos portos, em outras bandas o partido mostra que ainda não aprendeu a lição: o governador do Rio Grande do Sul,Tarso Genro, resolveu reestatizar até o fim deste ano cerca de 820 quilômetros de estradas que foram administradas por empresários nos últimos quinze anos. Algumas das principais rodovias do estado vão voltar para as mãos do governo, como as que ligam Porto Alegre a Gramado e a Caxias do Sul.

O plano gaúcho prevê o pior de dois mundos. Não vai acabar com os pedágios (fechará apenas três, uma promessa de campanha de Tarso), ainda que prometa uma redução de cerca de 30% do preço médio, atualmente de 7 reais. Ao mesmo tempo, não terá a capacidade de investimento e de manutenção que as concessionárias teriam. Explica Augusto dal Pozzo, professor da PUC-SP e vice-presidente do Instituto Brasileiro de Estudos Jurídicos da Infraestrutura: "Quando o poder público faz uma concessão, é porque não tem dinheiro para investir. A retomada só faria sentido, portanto, se estivesse sobrando dinheiro". Está muito longe de ser o caso. O Rio Grande do Sul não consegue nem pagar o piso nacional do magistério aos professores (uma lei que o próprio Tarso apoiou quando era ministro da Educação).

Assim, corre-se um sério risco de estradas que hoje são boas se tornarem esburacadas com o passar do tempo. As rodovias privatizadas, no Rio Grande do Sul como no restante do país, estão em condições muito melhores que as estatais. Um estudo da Confederação Nacional de Transportes, do ano passado, mostra que 86,7% das estradas sob concessão no Brasil são ótimas ou boas, contra apenas 27,8% das extensões sob controle do poder público. Apenas 1,8% dos trechos sob controle privado são ruins ou péssimos. "Reestatizar estradas está na contramão de tudo o que se vem fazendo no Brasil e no mundo. Cada vez mais observamos que o estado não tem condições de suprir as necessidades das rodovias", afirma Luiz Afonso Senna, professor da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, especialista em planejamento de transportes.

A decisão de Tarso segue na direção equivocada, mas o governador em breve verá a luz no fim do túnel: é a história, na mão contrária, e a toda a velocidade.

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Fonte: Veja / Usuport - Adaptado pelo Site da Logística.

 

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