“O Brasil se movimenta sobre as rodas de um caminhão” - Entrevista com Leonardo S. de Carvalho

Entrevista publicada pelo site PortoGente.

Para não deixar a discussão sobre logística cair no esquecimento, PortoGente traz mais uma entrevista exclusiva com um especialista no assunto. E desta vez, quem fala é o gerente da Área de Logística e Gestão da Produção do Senai Cimatec da Bahia, Leonardo Sanches de Carvalho.

Nessa reportagem, ele mostra ao internauta que o Brasil precisa mudar conceitos sobre infraestrutura, uma tarefa muito mais árdua do que se imagina. “Hoje, o Brasil é um país que se movimenta sobre as rodas de um caminhão”, sentencia.

PortoGente: Hoje ainda é difícil se discutir logística no Brasil?

Leonardo Carvalho: Nos últimos 10 anos as discussões se intensificaram. Maior atenção foi dispensada ao tema, formaram-se especialistas no assunto, enfim, tornou-se assunto de pauta nas questões estratégicas. Isso tudo converge para uma maior facilidade e acessibilidade para os debates, principalmente, os mais polêmicos acerca dos potenciais logísticos do Brasil. Porém, acho que ainda existem dificuldades na busca de soluções para a infraestrutura logística, por conta dos altos investimentos que são necessários serem aportados.

PortoGente: Na sala de aula, os estudantes de hoje são preparados para debater o assunto amanhã?

Leonardo Carvalho: Sim. A grande exploração dos temas relacionados à logística fomentou o surgimento de uma infinidade de cursos, algo que começou com cursos de especialização e que cresceu tanto a ponto de termos no País cursos específicos de graduação. Todo esse movimento propicia cada vez mais o aprimoramento dos profissionais de logística, melhor preparados para os desafios do segmento.

PortoGente: Mas só isso não basta, não é mesmo?

Leonardo Carvalho: Exatamente. Cabe ressaltar que se trata de uma área em constante evolução e fortemente impactada pelos avanços tecnológicos. Logo, seus profissionais necessitam de um contínuo aperfeiçoamento para se manterem atualizados e com um perfil de vanguarda que os possibilite debater com alto nível crítico os importantes temas da logística.

PortoGente: Como eliminar o acúmulo de caminhões nas estradas?

Leonardo Carvalho: Esse é um dos grandes entraves logísticos do país. Remonta à época do famoso jargão que dizia que “progredir é construir estradas”, porém haveria a necessidade de entender a palavra “estradas” num sentido mais amplo que não apenas referenciasse às rodovias, mas também às ferrovias, aos portos e aos aeroportos. Afinal, 60% dos transportes de carga do Brasil são feitos utilizando-se o modal rodoviário e esse dado traz consigo uma série de implicações como: elevação do custo de transporte, problemas de conservação das rodovias, redução dos níveis de serviço, entre outros. Trata-se de uma questão conjuntural.

PortoGente: Como assim?

Leonardo Carvalho: Infelizmente, o Brasil é um país que se movimenta sobre as rodas de um caminhão. Não existe mágica que mude esse cenário num curto espaço de tempo. Há que se valer de medidas de longo prazo e com volumosos investimentos em infraestrutura logística para se buscar soluções de transporte e distribuição baseadas em operações multimodais, fomentar construção de novos e estratégicos trechos de ferrovias, além da intensificação e melhorias na cabotagem.

PortoGente: O Governo Federal não tenta fazer isso?

Leonardo Carvalho: Nesse aspecto percebe-se que o Estado vem dando especial atenção ao desenvolvimento das ações estruturantes previstas no PAC, porém, percebe-se um desencontro entre a velocidade das intervenções do PAC e as urgentes necessidades e carências logísticas do Brasil.

“Os países devem dar atenção especial ao desenvolvimento dos portos. O Brasil custou a aprender a lição e isso lhe significou um certo atraso”. As duras palavras acima são do gerente da Área de Logística e Gestão da Produção do Senai/Cimatec da Bahia, Leonardo Sanches de Carvalho. E na segunda parte da entrevista exclusiva do especialista em logística ao PortoGente, ele fala mais sobre os portos brasileiros e pede celeridade nos projetos de construção de rodovias, hidrovias e vias expressas na Bahia.

Leonardo aborda, também, a necessidade dos empresários brasileiros investirem em soluções logísticas que permitam uma melhor distribuição das cargas nacionais nos diversos modais existentes. “Há que se valer do uso da tecnologia da informação, do compartilhamento de cargas, do planejamento colaborativo e de ações de fidelização de fornecedores”. Confira abaixo os principais questionamentos. Afinal, por que o Brasil custa a aprender a lição?

PortoGente: Qual a importância dos portos na cadeia logística? Hoje, eles são bem explorados no País?

Leonardo Carvalho: Com a competição globalizada do mundo atual, quem não tem portos eficientes certamente tem sérias dificuldades de desenvolvimento. O Brasil tem 32 portos marítimos por onde passam 95% das mercadorias que entram e saem do País. Somente esse dado já traduz o porto como um dos principais elos da cadeia logística de uma nação. E justamente por serem tão importantes é que os países devem dar atenção especial ao desenvolvimento e conservação dos portos. O Brasil custou um pouco a aprender a lição e isso lhe custou um certo atraso, pois, os portos brasileiros carecem de equipamentos e berços de atracação, possuem um maquinário obsoleto, espaço limitado, ausência de regulação, tarifas altas e outras características que os tornam pouco produtivos e de baixo poder concorrencial.

PortoGente: No entanto, a situação não melhorou nos últimos anos?

Leonardo Carvalho: Sim. Possuímos bons equipamentos como o Porto de Santos, o Porto de Itajaí e, no Nordeste, pode-se destacar o Terminal da Ponta da Madeira e o Porto de Suape. Porém, uma atenção especial deve ser dispensada aos portos baianos, pois em pesquisa realizada pelo Centro de Estudos em Logística da UFRJ, o Porto de Salvador foi apontado como deficiente por 65% dos entrevistados, tendo a pior avaliação dentre os 18 maiores complexos brasileiros. Isso é ruim, pois a Bahia sempre respondeu por mais da metade das exportações do Nordeste. Só que, atualmente, as cargas acabam sendo escoadas por portos de outros estados.

PortoGente: Falando na Bahia, o que pode ser melhorado em transporte?

Leonardo Carvalho: A Bahia é um dos estados pioneiros na busca de soluções para os entraves logísticos. Antes mesmo do PAC, o governo daqui demonstrava preocupação sobre o assunto com a divulgação do Programa Estadual de Logística e Transportes (PELT), um documento com os principais gargalos logísticos do estado e as possíveis intervenções para a resolução de cada caso, inclusive as propostas relacionadas ao transporte.

PortoGente: E alguma possibilidade de intervenção já se transformou em mudança na prática?

Leonardo Carvalho: Podemos destacar a Via Expressa Portuária, a recuperação de importantes rodovias e alguns projetos de extrema importância, como a Ferrovia Oeste-Leste, novos aeroportos em cidades estratégicas do interior, reestruturação dos portos de Salvador e Região Metropolitana, entre outras. A área de transportes urbanos, todavia, merece destaque, pois as melhorias sinalizadas acabaram não acontecendo na velocidade esperada, a começar pela conclusão das obras do metrô. Espera-se que, com a confirmação de Salvador como uma das cidades sede da Copa de 2014, as questões relacionadas ao transporte público sejam priorizadas

PortoGente: Quais as oportunidades nas quais o Governo da Bahia deve investir daqui para frente? Onde estão os pólos de desenvolvimento?

Leonardo Carvalho: O Governo da Bahia sinaliza bons investimentos na logística do estado como a recuperação das rodovias, construção de aeroportos em cidades estratégicas do interior de Estado, articulações para a modernização dos portos, a construção do Porto Sul, da hidrovia do São Francisco, da Plataforma Logística de Juazeiro, entre outras. Esses grandes investimentos vão ao encontro dos pólos de desenvolvimento do estado que passa pelo escoamento de grãos da Região Oeste, frutas da região de Juazeiro, as commodities do Polo Petroquímico de Camaçari bem como a produção das indústrias automotiva, do turismo, do papel e celulose.

PortoGente: O poder público recebe muitas críticas pelas deficiências no transporte. Mas o empresário brasileiro aprendeu a se planejar ou continua escoando mercadorias de qualquer maneira?

Leonardo Carvalho: Com a necessidade de se adaptar à concorrência global, não houve outra opção ao empresário brasileiro que não fosse a profissionalização das operações de transporte e distribuição. No entanto, ainda há uma extrema carência em buscar alternativas eficazes para a redução destes custos logísticos. Há que se valer do uso da tecnologia da informação, do compartilhamento de cargas, do planejamento colaborativo e de ações de fidelização de fornecedores. Eu entendo que as organizações brasileiras, em sua maioria, estão aprendendo a colaborar umas com as outras, visando à redução de custos da cadeia de suprimentos.

Foto: Artur Ikishima

Leonardo Sanches de Carvalho é Engenheiro Mecânico, Mestre em Administração e MBA em Logística e Distribuição. Trabalhou em empresas de grande porte como General Electric e VALE. Atualmente é gerente da área de Logística e Gestão da Produção do SENAI CIMATEC.