"O Brasil está deixando na mesa, facilmente, 1% de crescimento por ano"

"O Brasil está deixando na mesa, facilmente, 1% de crescimento por ano"

O economista Paulo Leme passou 33 anos vivendo em diferentes partes dos Estados Unidos. Há cerca de seis meses, regressou ao Brasil para dirigir a filial do banco de investimentos Goldman Sachs. É a mesma instituição onde ele passou os últimos 19 anos, mas a função mudou: Leme trocou a análise econômica pela gestão.

Isso não significa que Leme tenha deixado de lado o gosto pelas planilhas, tabelas e, especialmente, observação da realidade. "Como economista, tenho aprendido mais nos últimos seis meses do que nos 33 anos anteriores, dado o dia a dia que se tem", afirmou.

Embora ocupe uma função que recomenda distância de polêmicas, Leme não se furta a enumerar os problemas estruturais, que, na opinião dele, têm sido decisivos para o crescimento mais baixo do que o esperado: escassez de mão de obra qualificada, infraestrutura precária, carga tributária e encargos trabalhistas elevados. "O Brasil está deixando na mesa, facilmente, 1% de crescimento por ano."

Apesar dos problemas, Leme acredita que o Brasil passa por um momento "muito interessante". "É um privilégio, como cidadão, participar disso." A seguir, o SITE DA LOGÍSTICA reproduz os principais trechos da entrevista ao Estado.

Por que o Brasil crescerá em 2012 tão menos do que se esperava?

Há quatro razões. A primeira é que não se pode desatrelar o Brasil do resto do mundo. A economia global crescerá menos neste ano do que no ano passado. O grande desafio - a desalavancagem das economias desenvolvidas - pesa e reduz o crescimento também no Brasil. A segunda razão é o aperto da política econômica no ano passado com objetivo de reduzir a inflação. A política monetária, em especial as medidas macroprudenciais, teve um efeito importante de arrefecer o consumo. O terceiro fator é de natureza estrutural. Depois de uma arrancada impressionante do crescimento, alimentada por pressões externas, aumento do crédito e dos salários, a situação econômica se alterou. Quando se tem pleno emprego, como hoje, os custos começam a subir e bate-se em uma série de gargalos. Entre eles, infraestrutura, falta de mão de obra qualificada, etc. O quarto elemento é a questão da competitividade. Em razão da elevada carga tributária e do alto custo do trabalho, a indústria fica menos competitiva. Há hoje uma recessão industrial mesmo com a economia de serviços em expansão. Neste ano, mesmo com recuperação no segundo semestre, acredito que a economia brasileira vai crescer 1,5%.

Alguns analistas afirmam que o Brasil vive o esgotamento de um modelo de crescimento. O sr. concorda?

Concordo com a ideia de que é importante fazer mudanças profundas. O PIB potencial talvez esteja próximo a 4%. A questão-chave está ligada à produtividade, gargalos de infraestrutura e capital humano. Com relação à produtividade, é preciso compensar o menor crescimento mundial tornando capital e trabalho mais produtivos. Com isso, é preciso voltar a fazer reformas estruturais: tributária, trabalhista, reduzir o custo dos insumos. Outra questão é assegurar o aumento da concorrência. Em São Paulo, por exemplo, não se consegue usar o celular às seis horas da tarde. A questão de infraestrutura é clara. Por exemplo, o tempo que a mão de obra leva para se deslocar nas grandes cidades, as dificuldades de transportes e logística, cargas paradas nos portos por 30 dias, etc. O Brasil está deixando na mesa, facilmente, 1% de crescimento anual ou mais. Como o mundo não dá mais o luxo de poder contar com fontes externas de crescimento, é o momento de reforçar o componente doméstico.

O sr. vê o governo agindo na direção das reformas que defende?

Em linhas gerais, diria que sim. Coincidimos na avaliação de que é importante encontrar fontes novas de crescimento. Há uma coincidência na identificação da infraestrutura. Mas vejo também diferenças de diagnóstico. Por exemplo: reformas que aumentem a produtividade da economia são muito mais importantes, eficazes e duradouras para o crescimento do que medidas de curtíssimo prazo que estimulem só o consumo. Em relação à infraestrutura, há uma importância grande no pragmatismo da presidente Dilma, ao reconhecer que o governo talvez não tenha nem os recursos nem a capacidade de gestão de implementação para executar a quantidade de obras necessárias. Por isso, o setor privado tem de ser um parceiro. Concordo 100%.

Nos últimos anos, o Brasil foi um dos "queridinhos" do mercado global. Recentemente, perdeu parte desse espaço para outros países, como o México. O que está havendo?

O Brasil não deixou de ser queridinho, mas, em relação ao México, há duas razões muito claras: primeiro, o Brasil conseguiu aquilo que o governo planejou, ou seja, ter menor entrada de capitais de curto prazo para aplicação em renda fixa. O mercado reagiu ao aumento do IOF e à imprevisibilidade do cálculo (de retorno) trazida pela incerteza sobre a introdução e retirada de impostos, além das intervenções no mercado de câmbio. No caso do México, as regras são transparentes e duradouras. Isso é muito atrativo. O segundo ponto é que há um diferencial de crescimento muito favorável ao México hoje. Mas isso é muito mais para a renda fixa e a renda variável do que para o investimento direto.

O governo brasileiro tem sido mais intervencionista?

Eu diria que a participação do governo é maior e mais abrangente do que foi há 2, 4, 6 ou 8 anos atrás. Basta olhar a participação dos bancos oficiais no mercado de crédito.

O investidor não gosta de intervencionismo.

O ponto mais importante é a imprevisibilidade e a incerteza. Independentemente das decisões, a mudança frequente e a dificuldade de prever a direção em variáveis fundamentais, como impostos e taxa câmbio, desencoraja o investimento.

Hoje o Brasil está especialmente carente de investimentos. Nesse contexto, a política do governo vai no sentido contrário às necessidades? É preciso dar mais previsibilidade?

Exatamente. O ponto macroeconômico mais importante é que, se o País tem aproximadamente US$ 1 trilhão em projetos de investimentos a serem realizados e não tem a poupança doméstica para realizá-los, o parceiro principal é o investidor estrangeiro. Para atrair o estrangeiro, é preciso ter marco regulatório e tributário muito transparente. Ou seja, estabilidade nas regras do jogo.

O sr. diz que hoje há mais intervenção do que há 2, 4 ou 6 anos.. Ou seja, no período do governo Lula. Antes da primeira eleição dele, em 2002, o sr. criou o Lulômetro, que media o risco que a eleição de Lula traria para o mercado de câmbio. Olhando hoje, o sr. diria que Lula surpreendeu positivamente ao intervir menos na economia?

Em primeiro lugar, agradeço a oportunidade de esclarecer: eu nunca criei o Lulômetro. Não foi criação minha, não foi dentro do meu departamento nem foi feito por ninguém que trabalhava para mim. Foram colegas da firma, contra a minha indicação. Quero deixar claro: não foi criação do Paulo Leme.

O sr. foi contra?

Sim, eu fui contra. Deixei claro na ocasião que seria extremamente prejudicial para o País e para a firma. Era uma ideia totalmente desnecessária. O segundo ponto sobre o governo Lula é o de que, em especial no primeiro mandato, eu me surpreendi muito positivamente. Ele tinha uma equipe econômica muito sólida, liderada pelo ministro Antonio Palocci, que é uma pessoa muito inteligente, muito prática, um excelente executivo. Além disso, se rodeou de excelentes economistas. Era uma agenda trazida pelo (economista) Marcos Lisboa, que começou na parte de desenvolvimento do crédito consignado e englobou a reforma da Lei de Falências. Foram coisas que tiveram um impacto muito importante no mercado de crédito brasileiro.

O Banco Central comandado por Alexandre Tombini tem sido muito criticado no mercado. Muitos chegam a afirmar, nos bastidores, que a presidente Dilma é quem determina a taxa de juros. Qual é a sua avaliação?

O BC tem uma equipe técnica muito sólida, um grupo de pesquisa e avaliação macroeconômica com muita tradição. Portanto, tem visões e opiniões próprias. As decisões do Copom são da diretoria colegiada.

Há um ano, ninguém no mercado acreditava que o crescimento em 2012 seria tão baixo. Hoje, a média do mercado projeta uma expansão de cerca de 4% do PIB em 2013. Qual é a sua estimativa?

Minha previsão pessoal é de 3,5%, enquanto a projeção oficial do Goldman é 4,5%. Em parte, isso se explica por um crescimento global abaixo de 4% em 2013 e de um crescimento brasileiro no quarto trimestre deste ano insuficiente para gerar um carregamento estatístico que leve o PIB para mais de 4% no ano que vem. Por fim, há a questão estrutural de competitividade, de produtividade, problemas de infraestrutura que limitam o crescimento.

O juro mais baixo veio para ficar?

Depende. Vejo a possibilidade de taxas no nível de 7% além do período previsto pela curva de juros de mercado neste momento. Enxergar além de um ano é difícil e, além de três, mais difícil ainda.

Como explicar essa aparente contradição entre pleno emprego na economia e crescimento do PIB fraco?

Temos uma situação em que o PIB baixo é efeito de ciclos. Houve uma gestão macroeconômica que levou a uma flutuação muito grande - o Brasil cresceu demais em um momento e pouco em outro. O segundo ponto é a recessão industrial, ao mesmo tempo em que há forte expansão do setor de serviços. Por último, temos um déficit em transações correntes muito grande.

A queda da fatia da indústria no PIB é motivo para preocupação?

É extremamente preocupante porque o problema estrutural da indústria reflete questões que vão afetar também o setor de serviços e o emprego na economia. Estou falando da inviabilidade de se manter um bom nível de crescimento com a atual carga tributária. Há também os elevados custos trabalhistas no Brasil, que tornam o setor industrial não competitivo. Esses empecilhos, que claramente afetam o setor industrial, também são compartilhados pelo setor de serviços. Quando deixarmos de ter esse aumento de renda dos últimos anos no Brasil, poderemos ter manifestações importantes dessa sobrecarga limitar o crescimento dos serviços e, por tabela, da economia e do emprego.

Qual seu cenário para a economia global?

Minha avaliação é bem conservadora. Estamos em um período muito difícil, não só com um crescimento muito abaixo daquele até 2007, mas também com viés de risco para baixo. Isso decorre do problema de desalavangem das famílias, dos bancos e dos governos. Isso obriga à redução da despesa agregada e do consumo. Com isso, vamos crescer muito menos durante um longo período. Esses processos de desalavancagem que se seguem a períodos de crescimento acelerado demoram muito para serem resolvidos. Um exemplo é o ciclo de crises da dívida externa nos anos 80. Entre o primeiro calote, do México, em setembro de 1982, e a última reestruturação da dívida, da Polônia em 1995, foram 13 anos. Isso mostra que, numa crise menor e mais concentrada em bancos e em regiões específicas do mundo, foram 13 anos para poder digerir e resolvê-la completamente. A crise atual é muito mais abrangente, é global e o grau de alavancagem na entrada da crise era muito maior. Por isso, vai ser mais complexa, mais dura, com custos de crescimento mais altos, e viés de risco.

Fonte: O Estado de S.Paulo - Adaptado pelo Site da Logística.